quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Simón Rodríguez

Trechos da Obra "Memórias do Fogo - Vol 2: As Caras e As Mácaras" de Eduardo Galeano; nestes, aqui expostos, fala-se sobre Simón Rodríguez, pedagogo e filósofo, e suas idéias sobre educação e a dificuldade da aceitação da mundança desta, por parte da sociedade.

1826

Chuquisaca

MALDITA SEJA A IMAGINAÇÃO CRIADORA

Simón Rodríguez, o mestre de Bolívar, regressou à América. Um quarto de século andou dom Simón do outro lado do mar: lá foi amigo dos socialistas de Paris e Londres e Genebra; trabalhou com os tipógrafos de Roma e os químicos de Viena e até ensinou as primeiras letras em um povoado de estepe russa.

Depois de longo abraço de boas-vindas, Bolívar o nomeia diretor de educação do país recém-fundado.

Com uma escola modelo em Chuquisaca, Simón Rodríguez inicia sua tarefa contra as mentiras e os medos consagrados pela tradição. Chiam as beatas, grasnam os doutores, uivam os cães do escândalo, horror: o louco Rodríguez se propõe a misturar os meninos bem-nascidos com os mestiços que até ontem à noite dormiam nas ruas. O que pretende? Quer que os orfãos o levem para o céu? Ou corrompe-os para que o acompanhem ao inferno? Nas salas de aula não se ouve o catecismo, nem latins de sacristia, nem regras de gramática, e sim o ruído de serrotes e martelos, insuportáveis aos ouvidos dos frades e leguleios educados no asco ao trabalho manual. Uma escola de putas e ladrões! Os que acreditam que o corpo é uma culpa e a mulher um enfeite, gritam aos céus: na escola de dom Simón, meninos e meninas sentam-se juntos, todos grudados; e, o cúmulo: estudam brincando.

O prefeito de Chuquisaca encabeça a campanha contra o tarado que veio corromper a moral da juventude. Pouco depois, o marechal Sucre, presidente da Bolívia, exige de Simón Rodríguez que renuncie, porque não apresentou suas contas com a devida prolixidade.



AS IDÉIAS DE SIMÓN RODRÍGUEZ

"PARA ENSINAR A PENSAR"


Fazem passar o autor por louco. Deixem que ele trasmita suas loucuras aos pais que estão por nascer.

Terá de se educar todo mundo sem distinção de raças nem cores. Não nos alucinemos: sem educação popular, não haverá verdadeira sociedade.

Instruir não é educar. Ensinem, e terão quem saíba; eduquem, e terão quem faça.

Mandar recitar de memória o que não se entende é fazer papagaios. Não se mande, em nenhum caso, uma criança fazer nada que não tenha o seu "porquê" junto. Acostumada a criança a ver sempre a razão apoiando as ordens que recebe, sentirá falta dela quando não a vir, e perguntará por ela dizendo:"Porque?" Ensinem as crianças a serem perguntadoras, para que, pedindo o porquê do que as mandam fazer, se acostumem a obedecer à razão: não à autoridade; como os limitados, nem ao costume, como os estúpidos.

Nas escolas devem estudar juntos os meninos e as meninas. Primeiro, porque assim desde criança os homens aprendam a respeitar as mulheres; e segundo, porque as mulheres aprendem a não ter medo dos homens.

Os varões devem aprender três ofícios principais: construção, carpintaria e ferraria, porque com terrass, madeiras e metais são feitas as coisas necessárias. Dar-se-á instrução e ofício às mulheres, para que não se prostituam por necessidade, nem façam do matrimônio uma especulação para garantir subsistência.

Ao que não sabe, qualquer um engana. Ao que não tem, qualquer um compra.

Nenhum comentário: