quinta-feira, 31 de julho de 2008

Colar de Histórias

Pronunciamento proferido ao receber o titulo de primeiro "Cidadão Ilustre do Mercosul" em 04 de Julho de 2008


Por Eduardo Galeano*


A nossa região é o reino dos paradoxos.

Brasil, tomemos alguns casos:

Paradoxalmente, Aleijadinho, o homem mais feio do Brasil, criou as mais altas belezas da arte da época colonial;

paradoxalmente, Garrincha, arruinado desde a infância pela miséria e pela poliomielite, nascido para a infelicidade, foi o jogador que mais alegria deu em toda a história do futebol;

e, paradoxalmente, já completou cem anos de idade Oscar Niemeyer, que é o mais novo dos arquitectos e o mais jovem dos brasileiros.


* * *


Tomemos o caso da Bolívia: em 1978, cinco mulheres enfrentaram uma ditadura militar.

Paradoxalmente, toda a Bolívia riu delas quando iniciaram a sua greve de fome.

Paradoxalmente, toda a Bolívia terminou jejuando com elas, até que a ditadura caiu.

Eu conheci uma dessas cinco lutadoras. Domitila Barrios, no povoado mineiro de Llallagua. Numa assembleia de operários das minas, todos homens, ela levantou-se e fez todos calarem-se.

- Quero lhes dizer isto - disse. O nosso inimigo principal não é o imperialismo, nem a burguesia, nem a burocracia. O nosso inimigo principal é o medo, e levamo-lo dentro de nós.

E anos depois reencontrei Domitila em Estocolmo. Expulsa da Bolívia, foi para o exílio, com os seus sete filhos. Domitila estava muito agradecida pela solidariedade dos suecos, cuja liberdade admirava, mas eles davam-lhe pena, tão solitários que estavam, bebendo sozinhos, comendo sozinhos, falando sozinhos. E dava-lhes conselhos:

- Não sejam tolos - dizia-lhes. Nós, lá na Bolívia, juntamo-nos. Ainda que seja para lutar, unimo-nos.


* * *


E quanta razão tinha.

Porque eu digo: Existem os dentes, e não se juntam na boca? Existem os dedos, e não se juntam na mão?

Juntamos: e não apenas para defender o preço dos nossos produtos, mas também, e sobretudo, para defender o valor dos nossos direitos. Estão juntos, embora de vez em quando simulem rixas e disputas, os poucos países ricos que exercem a arrogância sobre todos os demais. A sua riqueza come pobreza, e a sua arrogância come medo. Há bem pouco tempo, tomemos este caso, a Europa aprovou a lei que converte os imigrantes em criminosos. Paradoxo dos paradoxos: a Europa, que durante séculos invadiu o mundo, fecha a porta nos narizes dos invadidos, quando retribuem a visita. E essa lei foi promulgada com uma assombrosa impunidade, que seria inexplicável se não estivéssemos acostumados a ser comidos e viver com medo.

Medo de viver, medo de dizer, medo de ser. Esta nossa região faz parte de uma América Latina organizada para o divórcio das suas partes, para o ódio mútuo e a mútua ignorância. Mas, somente estando juntos seremos capazes de descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos adestrou para o medo e a resignação e a solidão e que cada dia nos ensina a não nos querermos, a cuspir no espelho, a copiar em lugar de criar.


* * *


Ao longo de toda a primeira metade do século XIX, um venezuelano chamado Simon Rodríguez, andou pelos caminhos da nossa América, no lombo de mula, desafiando os novos donos do poder:

- Vocês - clamava don Simon - vocês que tanto imitam os europeus, por que não os imitam no mais importante, que é a originalidade?

Paradoxalmente, por ninguém era ouvido este homem que tanto merecia ser ouvido.

Paradoxalmente, chamavam-no de louco, porque tinha o bom senso de acreditar que devemos pensar com a nossa própria cabeça, porque tinha o bom senso de propor uma educação para todos e uma América de todos, e dizia que aquele que não sabe, qualquer um o engana e aquele que não tem, qualquer o compra.

Porque tinha o bom senso de duvidar da independência de nossos países recém-nascidos:

- Não somos donos de nós mesmos - dizia. Somos independentes, mas não somos livres.


* * *


Quinze anos depois da morte do louco Rodríguez, o Paraguai foi exterminado. O único país hispano-americano verdadeiramente livre foi paradoxalmente assassinado em nome da liberdade. O Paraguai não estava preso na jaula da dívida externa, porque não devia um centavo a ninguém, e não praticava a mentirosa liberdade de comércio, que nos impunha e nos impõe uma economia de importação e uma cultura de importação.

Paradoxalmente, após cinco anos de guerra feroz, entre tanta morte sobreviveu a origem. Segundo a mais antiga de suas tradições, os paraguaios nasceram da língua que lhes deu nome, e entre as ruínas fumegantes sobreviveu essa língua sagrada, a língua primeira, a língua guarani. E em guarani ainda falam os paraguaios na hora da verdade, que é a hora do amor e do humor.

Em guarani, ñe' significa palavra e também significa alma. Quem mente a palavra, trai a alma.

Se te dou minha palavra, dói-me.


* * *


Um século depois da guerra do Paraguai, um presidente do Chile deu sua palavra, e deu-se.

Os aviões cuspiam bombas sobre o palácio do governo, também metralhado pelas tropas de terra. Ele tinha dito:

- Eu, daqui, não saio vivo.

Na história latino-americana, é uma frase frequente. Foi pronunciada por uns quantos presidentes que depois saíram vivos, para continuarem a pronunciá-la. Mas, essa bala não mentiu. A bala de Salvador Allende não mentiu.

Paradoxalmente, uma das principais avenidas de Santiago do Chile chama-se, ainda, Onze de Setembro. E não tem esse nome pelas vítimas das Torres Gémeas de Nova York. Não. Leva esse nome em homenagem aos verdugos da democracia no Chile, com todo o respeito por esse país que amo, atrevo-me a perguntar, por puro senso comum: Não seria hora de mudar o nome? Não seria hora de chamá-la Avenida Salvador Allende, em homenagem à dignidade da democracia e à dignidade da palavra?


* * *


E saltando a cordilheira, pergunto-me: Por que será que Che Guevara, o argentino mais famoso de todos os tempos, o mais universal dos latino-americanos, tem o costume de continuar a nascer?

Paradoxalmente, quanto mais o manipulam, quanto mais o traem, mais nasce. Ele é o mais nascedor de todos.

E pergunto-me: Não será porque ele dizia o que pensava, e fazia o que dizia? Não será que por isso continua sendo tão extraordinário, neste mundo onde as palavras e os fatos muito raramente se encontram, e quando se encontram não se saúdam, porque não se reconhecem?


* * *


Os mapas da alma não têm fronteiras, e eu sou patriota de várias pátrias. Mas, quero culminar esta pequena viagem pelas terras da região evocando um homem nascido, como eu, aqui por perto.

Paradoxalmente, ele morreu há um século e meio, mas continua a ser meu compatriota mais perigoso. Tão perigoso é que a ditadura militar do Uruguai não pôde encontrar uma única frase sua que não fosse subversiva, e teve que decorar com datas e nomes de batalhas o mausoléu que ergueu para ofender a sua memória.

A ele, que se negou a aceitar que a nossa pátria grande se rompesse em pedaços;

a ele, que se negou a aceitar que a independência da América fosse uma emboscada contra os seus filhos mais pobres, a ele, que foi o verdadeiro primeiro cidadão ilustre da região, dedico esta distinção, que recebo em seu nome.

E termino com palavras que lhe escrevi há algum tempo:


1820, Paso del Boquerón. Sem voltar a cabeça, você afunda no exílio. Vejo-o, estou o vendo: desliza do Paraná com agilidade de um lagarto e afasta flamejando o seu poncho esfarrapado, ao trote do cavalo, e perde-se na mata. Você nos diz adeus à sua terra. Ela não acreditava. Ou, talvez, você não sabe, ainda, que parte para sempre.

A paisagem fica cinza. Você vai, vencido, e a sua terra fica sem alento.

Devolver-lhe-ão a respiração os filhos que nascerem, os amantes que chegarem? Os que dessa terra brotam, os que nela entram, serão dignos de tristeza tão profunda?

Sua terra. Nossa terra do sul. Você lhe será muito necessário, don José, cada vez que os ambiciosos se lastimarem e a humilharem, cada vez que os bobos a considerarem muda ou estéril, você fará falta. Porque você, don José Artigas, general dos simples, é a melhor palavra que ela pronunciou.



* Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina, Memórias do fogo e Espelhos/Uma história quase universal.

A criança que calou o mundo por 5 minutos

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Noam Chomsky: Socialismo para os ricos

Regina Zappa e Cláudia Antunes, Jornal do Brasil, 24 de novembro, 1996

Para muita gente, o pensamento do lingüista e ativista político americano Noam Chomsky pode soar como um punhado de teorias conspiratórias. Mas para o tranqüilo professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), considerado um dos mais importantes intelectuais vivos, a realidade é trivial e não há nada de novo nas relações entre os poderosos, que controlam a população através da força ou da propaganda, e os destituídos de poder. Com naturalidade, ele afirma que a propalada onda de democratização não passa de um ataque à democracia, que o que se supõe ser o aumento do comércio mundial trata-se na verdade de transações internas entre as corporações e sua subsidiárias e que, dentro da lógica de que o lucro é privado mas o custo é público, hoje existe socialismo, mas para os ricos.

A propaganda, segundo ele, é a arma dos ricos para controlar o comportamento das pessoas em sociedades onde não cabe o uso da força. "Nos EUA, as pessoas são bombardeadas com propaganda e publicidade todos os dias na televisão, desde a infância. O ideal da vida social é você e seu aparelho de TV". Chomsky fez duas palestras no Rio, na UFRJ, no começo da semana. Na quarta-feira foi para São Paulo e ainda irá a Brasília e Maceió. No Copacabana Palace, onde se hospedou no Rio, falou com exclusividade ao Jornal do Brasil.

Este ano os EUA assistiram ao mais baixo comparecimento às urnas da sua história. O que está acontecendo?

A eleição é decidida entre as pessoas mais ricas. Os outros são espectadores. Esta eleição foi interessante porque a participação foi a menor da história. A razão disso é que as pessoas não estão interessadas na política. Mas este é justamente o objetivo do neoliberalismo. É eliminar a população do processo de decisões e pôr tudo nas mãos do poder privado. É como ter tiranias. É basicamente a imposição de uma espécie de totalitarismo, um totalitarismo privado. Quanto mais você diminui a participação popular e bota as decisões na mão de bancos, corporações privadas, FMI, etc., menos espaço fica para as pessoas tomarem decisões. E elas perdem o interesse.

Por que não votam para tentar mudar isso?

Votar em quem? Para entrar na arena política, você precisa de muito dinheiro. Se você está baseado num poder privado, claro que ele terá o dinheiro. A única maneira de as pessoas influírem é formando uma tremenda organização entre elas, juntando sindicatos, organizações populares. Mas os EUA são uma sociedade muito atomizada. As pessoas são muito sozinhas. É interessante a comparação com o Chile, onde estive há pouco. Um dos efeitos mais fortes da ditadura militar foi destruir a sociedade civil. As pessoas estão isoladas. Não confiam nas outras, não ajudam as outras. Todos lá dizem isso, você pode ver isso na sociedade. Foi uma grande vitória do totalitarismo. Destruir a esperança das pessoas. Há três anos estive numa conferência em El Salvador sobre o que chamam de "cultura do terror" na América Latina. Eles diziam que as ditaduras tiveram um efeito de longo prazo, que foi domesticar as aspirações da maioria, de modo que eles nem chegam a pensar mais em se opor aos interesse dos poderosos.

Mas os militares chilenos até hoje levam a fama de ter feito um bom trabalho na economia...

Isso é uma mentira. Veja os fatos. Nos anos 70, a economia chilena estava de fato crescendo. Em 1982, ela entrou em colapso e o governo teve que assumir tudo. Naquele ano, o governo tinha mais controle sobre a economia do que (Salvador) Allende tinha. Então começaram a dar tudo de novo para o setor privado. Mas nem tudo. Olhe: o cobre é o maior produto de exportação chileno, e é nacionalizado. Então a idéia de que os militares chilenos liberalizaram a economia é ridícula. Eles tentaram liberalizar, mas foi um desastre. Há um setor da sociedade que está muito rico, como aqui, mas 20% estão completamente à margem de tudo. A pobreza é maior do que em 1972. Mas o que eu estava dizendo é que os efeitos da ditadura de Pinochet no Chile também foram alcançados nos Estados Unidos, só que sem terror.

De que maneira?

Através de outras técnicas de marginalização e atomização, incluindo a imensa ofensiva da indústria de relações públicas e propaganda para privatizar os interesses. Nos EUA, um em cada seis dólares é gasto em marketing. Então, se você vê televisão, é bombardeado com publicidade e propaganda todo dia, desde a infância. As crianças passam muitas horas todo dia vendo TV, então elas estão sendo formadas pelos ideais da cultura de consumo, em que sua única preocupação é você mesmo e sua máxima escolha é entre um par de sapato ou outro. A participação da sociedade civil está escolhendo, o contato entre pais e filhos caiu 45% desde os anos 60. As pessoas estão sozinhas. A unidade da vida social é você e seu aparelho de TV. Isso é o ideal. O mundo das relações públicas e dos negócios quer criar uma sociedade na qual você interaja com seu aparelho de TV ou seu computador. Durante os anos Reagan, os sindicatos foram criminalmente atacados.

O senhor não acha que as pessoas estão se vendo menos porque hoje elas têm que trabalhar mais para manter sua renda?

Nos EUA, desde os anos 80, os salários reais estão estagnados ou em declínio. Isso continuou mesmo na atual fase de recuperação. Marido e mulher têm que estar ambos no mercado de trabalho para manter a família. Temos os pais trabalhando até 50 horas por semana e não há, como na Europa ou no Japão, um sistema social de apoio à família. Então as crianças ficam sozinhas e vêem televisão. Há um estudo interessante da Unicef sobre as sociedades ricas, feito em 1993, mostrando que na sociedade industrial desenvolveram-se dois modelos - um nipo-europeu e outro anglo-americano. Este último, na descrição do estudo, se traduzia numa verdadeira guerra contra as crianças e famílias. Os efeitos disso são marcantes.

Se você olhar as estatísticas de pobreza infantil, violência contra as crianças, crime juvenil, drogas, você encontra uma incidência muito maior nos EUA e Inglaterra. Os dois são países que, até certo ponto, aplicam o modelo que eles tentam impor ao resto do mundo. Não o aplicam totalmente, porque sabem de seus efeitos destruidores, mas o aplicam pelo menos contra os pobres. E os pobres submetidos a esse tratamento ficam como os pobres do Brasil. É claro que é um país muito mais rico, então não é exatamente igual, mas estruturalmente é. Isso é um fenômeno mundial, efeito do programa neoliberal.

Como se rompe com esse modelo?

Primeiro as pessoas têm que libertar suas mentes. Ontem eu li The New York Times aqui no hotel e me chamaram atenção dois artigos na seção de Economia, um sobre o Japão e outro sobre os Estados Unidos. O artigo sobre o Japão dizia que o governo japonês está estudando um grande programa, ao custo de 1 bilhão de dólares, para a indústria de semicondutores, que perdeu sua competitividade. O artigo não diz porque essa perda de competitividade, mas o fato é que o governo Reagan - um dos mais protecionistas da história americana do pós-guerra, apesar de pregar o livre mercado para os pobres - fechou o mercado americano para os semicondutores japoneses, porque eles eram muito baratos, e botou dinheiro público na indústria americana de semicondutores.

O outro artigo descrevia como o Pentágono está mudando suas encomendas da McDonnel Douglas para a Boeing. Parece uma coisa pequena, mas é muito importante, porque a Boeing é o maior fabricante de aviões comerciais, e precisa de subsídios do governo, porque não espera sobreviver no mercado. Nenhuma pessoa rica espera sobreviver no mercado, elas querem ser pagas pelo público. O Pentágono vai construir um novo avião militar para subsidiar diretamente as exportações comerciais da Boeing. Eles estão mudando do complexo militar-industrial para o complexo industrial-militar. Com o fim da Guerra Fria, ficou claro que os gastos militares são mantidos para apoiar os ricos. Antes se fingia que tudo tinha a ver com a defesa do país contra agressões estrangeiras. Então você vê duas nações ricas e ambas dependem do financiamento público. A indústria não sobreviveria sem ele. O lucro é privado, mas o custo é público. Isso é socialismo para os ricos.

Voltando à pergunta...

Então, a primeira coisa que as pessoas têm que fazer é reconhecer que o neoliberalismo é uma fraude total. É neoliberalismo para os pobres, mas proteção do Estado para os ricos. Por isso o Primeiro Mundo é rico e o Terceiro Mundo é pobre. Temos vários séculos de liberalismo. No século 18 a Índia tinha a maior indústria de manufatura do mundo, e a Inglaterra tinha que se proteger da indústria indiana, conquistando-a e destruindo-a. Aplicando o liberalismo à Índia e se protegendo, de modo a se tornar um país industrial rico, enquanto a Índia se transformava em um pobre país agrícola. Hoje nos EUA estão destruindo o sistema de previdência social, impondo o neoliberalismo aos pobres, ao mesmo tempo em que aumentam os subsídios à indústria de alta tecnologia.

O sr. tem esperança?

Claro, por que não? Em todo mundo as pessoas estão insatisfeitas, procurando alternativas, mas houve um certo sucesso na destruição da organização social. Há toda uma cultura de individualização que tem o objetivo de separar as pessoas.A menos que a mídia seja democratizada será muito difícil mudar a cabeça das pessoas. As telecomunicações - a chamada nova fronteira - estão nas mãos do setor privado. Nos EUA, foram distribuídas ano passado entre cinco conglomerados privados, como Disneyworld, PTI. Foi a maior transferência de recursos públicos para o setor privada da história.

O senhor sempre fala do uso distorcido das palavras. O senhor pode nos dar exemplos?

Neoliberalismo é uma delas. Não há nada de novo, é um sistema de dois séculos, por isso os países pobres são pobres. E também não é liberalismo. E esses dois artigos de que falei em The New York Times mostram que é liberalismo para os pobres e não para os ricos. Globalização é outra palavra. Pintam um quadro de que as leis naturais do mercado estejam fora de controle, não há alternativa senão submeter-se a elas. Se você olhar o fluxo de investimento e comércio, ele é praticamente o mesmo de um século atrás. O caráter é diferente, mas a escala é a mesma. Cerca de 70% do comércio é dentro de três áreas: Europa, Canadá e Estados Unidos. Todos esses países têm democracias parlamentares. Se as pessoas pudessem usar o sistema parlamentar, poderiam controlar a globalização. Há um esforço para doutrinar as pessoas nesse sentido.

Pegue a palavra democracia. Fala-se que houve uma onda de democratização em todo o mundo, mas é o oposto, houve um ataque à democracia. É verdade que há mais eleições, mas as eleições têm cada vez menos sentido. Pegue também a palavra comércio: supõe-se que houve um enorme aumento no comércio mundial. Nos EUA, metade do que é chamado comércio são na verdade transações internas das corporações e suas subsidiárias em todo o mundo. Se a Ford Motor Company envia componentes para o México para serem montados por mão-de-obra barata, que enviará o carro de volta aos Estados Unidos, isso é chamado de importação e exportação. Mas não é. É como se alguém tivesse uma loja e passasse uma mercadoria de uma prateleira para outra. Isso é controlado por uma mão muito visível e não pelas leis do mercado. É controlado por instituições totalitárias, que são as grandes corporações. O comércio verdadeiro pode mesmo estar em declínio.

E qual a saída?

Se você olhar a história por um outro prisma, vai ver que tem havido lutas contínuas contra isso que tiveram certo sucesso. As coisas estão muito melhores hoje do que há séculos atrás. Há dois séculos a democracia parlamentar parecia impossível. A democracia pode não ser ideal hoje, mas é muito melhor que o feudalismo. Há 200 anos, parecia que a escravidão era necessária e que não podia haver outra maneira de viver. Hoje nos EUA, o debate é sobre a defesa dos serviços públicos de saúde. Há 30 anos não havia serviço nenhum para se defender. No movimento dos direitos da mulher, por exemplo, houve uma enorme mudança nos últimos 30 anos. O mesmo com as ONGs e os movimentos dos direitos humanos. São lutas populares que têm um efeito e lentamente, através dos tempos, as coisas vão melhorando.

terça-feira, 29 de julho de 2008

O pé manco da sustentabilidade

por Katerina Volcov

Em dia internacional – festivo ou não – do meio ambiente fala-se muito da Amazônia, das energias renováveis, da preservação da fauna e flora mundiais, dos números do desmatamento, dos países que não assinaram o Protocolo de Kyoto. Mas a principal pergunta é: o que vamos fazer a partir de agora?

Um dos temas discutidos amplamente, é a tal “sustentabilidade” , para os mais íntimos do assunto, é o sistema baseado no tripé: viabilidade econômica, justiça social e preservação ambiental, ou “como fazer para transformar o modelo social em que vivemos para que se torne economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto”.

Nestas últimas semanas, o presidente Lula esteve à frente da defesa do etanol brasileiro, apresentando argumentos para demosntrar que ele não tem relação com a crise mundial dos alimentos. E que é um biocombustível sustentável à medida que é renovável tendo um custo menor de produção do que as plataformas petrolíferas.

Sim, ele tem razão em boa parte do que diz, e não me cabe discutir essas questões aqui. O ponto que realmente me preocupa, e que me parece mais grave, é a insustentável maneira de se produzir e levar o etanol ao mercado estrangeiro, às custas da exploração de um trabalho quase-escravo nas lavouras de cana. Ou seja, nada justo, portanto, nada sustentável, considerando a base do tripé da sustentabilidade.

Segundo dados do relatório da Comissão Pastoral da Terra, o número de trabalhadores explorados subiu de 6930 em 2006 para 8635 no ano seguinte, sendo a região sudeste a que obteve maior expressão nesse acréscimo. Coincidência ou não, é nessa área que estão concentradas as lavouras de cana-de-açúcar.

As péssimas condições de trabalho dos cortadores de cana já foram relatadas inúmeras vezes pela mídia no passado. Hoje, porém, parece que o lado ambiental tem se sobreposto ao social e qualquer ação em prol do meio ambiente é ovacionada sem levar em conta, muitas vezes, o bem-estar social.

Vale a pena recordar que, para que possamos ter realmente um produto sustentável é essencial que as três bases – humana, econômica e ambiental - estejam em equilíbrio e harmonia. Isso quer dizer que o lado humano precisa ser suprido em todas as suas necessidades primárias, o meio ambiente deve ser respeitado e é claro que é essencial sua viabilidade econômica.

É óbvio que, medidas de proteção à Amazônia devem ser observadas e outras novas criadas e fiscalizadas, até mesmo para que o Mato Grosso não avance com suas plantações agroindustriais. Porém, o que é necessário e imprescindível em tempos de obtenção de novas formas de energia, onde um barril de petróleo sai pela bagatela de cerca de US$ 150, é observar a que preço o aspecto humano fica ou não manco na tríade da sustentabilidade.

Afinal, toda essa preocupação deveria ter, em sua essência, o cuidado com as futuras gerações, ou seja, com os seres-humanos. Esquecer deles é como esquecer de si próprio. Portanto, para uma verdadeira sustentabilidade, os mancos que se cuidem.

Katerina Volcov é especialista em desenvolvimento de projetos de comunicação voltados à responsabilidade social.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Vocabulário do jornalismo israelense

Os palestino alegam, seqüestram e têm sangue nas mãos, enquanto as Forças de Defesa respondem, detêm e jamais cometem homicídios

Por Yonatan Mendel


Há um ano, me candidatei à vaga de correspondente do jornal israelense Ma’ariv nos territórios ocupados. Falo árabe, lecionei em escolas palestinas e participei de muitos projetos judaico-palestinos. Na entrevista, o chefe perguntou como eu poderia ser objetivo. Eu havia passado tempo demais com os palestinos, e acabaria sendo tendencioso em favor deles. Não consegui o emprego. Minha entrevista seguinte foi no Walla.com, o site mais popular de Israel. Dessa vez, consegui o emprego e me tornei correspondente do Walla no Oriente Médio. Logo entendi o que Tamar Liebes, diretor do Instituto Smart de Comunicação da Universidade Hebraica de Jerusalém, quis dizer quando afirmou que “os jornalistas e editores se vêem como atores dentro do movimento sionista, e não como observadores críticos”.

Isso não significa que o jornalismo israelense não seja profissional. A corrupção, as mazelas sociais e a desonestidade são perseguidas com louvável determinação por jornais, tevês e rádios. O fato de os israelenses terem sido informados do que o ex-presidente Moshe Katsav [que renunciou após ser acusado de estupro] fez ou deixou de fazer com suas secretárias prova que a mídia desempenha o papel de cão de guarda, mesmo sob risco de causar constrangimento nacional e internacional. O nebuloso contrato imobiliário de Ehud Olmert, os negócios da misteriosa ilha grega de Ariel Sharon, o romance secreto de Binyamin Netanyahu, a conta bancária secreta de Yitzhak Rabin nos Estados Unidos: tudo isso é livremente discutido na imprensa israelense.

Quando se trata de “segurança”, não há tal liberdade. Só há “nós” e “eles”, as Forças de Defesa de Israel, FDI, e “o inimigo”. O discurso militar, o único discurso permitido, triunfa sobre qualquer outra narrativa. Não que os jornalistas israelenses cumpram ordens ou um código escrito: apenas preferem pensar coisas boas das suas forças de segurança.

Na maioria das matérias sobre o conflito há duas partes em luta: as Forças de Defesa de Israel de um lado e os palestinos de outro. Quando um incidente violento é relatado, as FDI confirmam ou o Exército diz, mas os palestinos alegam: “Os palestinos alegaram que um bebê ficou gravemente ferido pelos disparos das FDI.” Isso é alguma invenção? “Os palestinos alegam que colonos israelenses os ameaçaram.” Mas quem são os palestinos? Todos os palestinos – cidadãos de Israel, habitantes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, as pessoas em campos de refugiados de Estados árabes vizinhos e aquelas vivendo na diáspora – fazem a alegação? Por que então uma reportagem séria relata uma alegação feita pelos palestinos? Por que tão raramente há um nome, um departamento, uma organização ou uma fonte dessa informação? Será porque isso lhe daria um aspecto mais confiável?

Quando os palestinos não estão fazendo alegações, seu ponto de vista simplesmente não é ouvido. O Keshev (Centro para Proteção da Democracia em Israel) analisou como os principais canais de televisão e jornais israelenses cobriram as vítimas palestinas num determinado mês – dezembro de 2005. Foram encontradas 48 matérias sobre a morte de 22 palestinos. Apenas oito desses relatos, no entanto, traziam a versão das FDI e uma reação palestina. Nos outros quarenta exemplos, o fato foi relatado apenas do ponto de vista dos militares israelenses.

Outro exemplo: em junho de 2006, quatro dias depois de o soldado israelense Gilad Shalit ser seqüestrado no lado israelense da cerca de segurança de Gaza, segundo a imprensa israelense, Israel deteve cerca de sessenta integrantes do Hamas, entre os quais trinta membros eleitos do Parlamento e oito ministros do governo palestino. Numa operação bem planejada, Israel capturou e encarcerou o ministro palestino para Assuntos de Jerusalém, os ministros de Finanças, Educação, Assuntos Religiosos, Assuntos Estratégicos, Assuntos Domésticos, Habitação e Prisões, além dos prefeitos de Belém, Jenin e Qalqilya, o presidente do Parlamento palestino e um quarto dos seus integrantes. Que essas autoridades tenham sido tiradas de suas camas tarde da noite e transferidas para território israelense, provavelmente para servir (como Gilad Shalit) de moeda de barganha, não fez da operação um seqüestro. Israel nunca seqüestra. Israel detém.

O Exército israelense nunca mata ninguém intencionalmente, muito menos comete homicídio – uma situação a qual qualquer outra organização armada invejaria. Mesmo quando uma bomba de 1 tonelada é jogada sobre uma densa área residencial de Gaza, matando um homem armado e catorze civis inocentes, inclusive nove crianças, ainda assim não são mortes intencionais nem homicídios: são assassinatos dirigidos. Um jornalista israelense pode dizer que os soldados das FDI atingiram palestinos, ou que os mataram, ou que os mataram por engano, e que os palestinos foram atingidos, ou foram mortos ou mesmo que encontraram a morte (como se estivessem procurando), mas homicídio está fora de cogitação. A conseqüência, quaisquer que sejam as palavras usadas, foi a morte, nas mãos das forças de segurança israelenses, desde o início da segunda intifada, de 2 087 palestinos que nada tinham a ver com a luta armada.

As Forças de Defesa de Israel, tal como são mostradas na mídia israelense, têm outra estranha capacidade: a de nunca iniciar ou decidir um ataque, nem de lançar uma operação. As FDI simplesmente respondem. Elas respondem aos foguetes Qassam, respondem aos ataques terroristas, respondem à violência palestina. Isso torna tudo tão mais lógico e civilizado: as FDI são forçadas a lutar, a destruir casas, a balear palestinos e a matar 4 485 deles em sete anos, mas nenhum desses fatos é responsabilidade dos soldados. Eles estão enfrentando um inimigo abjeto, e reagem de acordo com seu dever. O fato de suas ações – toques de recolher, prisões, cercos por mar, tiros e mortes – serem a principal causa da reação palestina não parece interessar à mídia. Como os palestinos não podem responder, os jornalistas israelenses escolhem outro verbo de um léxico que inclui vingar, provocar, atacar, incitar, apedrejar e disparar os mísseis Qassam.

Entrevistando Abu-Qusay, porta-voz das Brigadas de Al-Aqsa em Gaza, em junho de 2007, perguntei a ele sobre a razão para disparar mísseis Qassam contra a cidade israelense de Sderot. “O Exército pode responder”, disse eu, sem perceber que já estava influenciado. “Mas nós estamos respondendo aqui”, disse Abu-Qusay. “Não somos terroristas, não queremos matar... estamos resistindo às contínuas incursões de Israel na Cisjordânia, aos seus ataques, ao seu cerco em nossas águas e ao fechamento das nossas terras.” As palavras de Abu-Qusay foram traduzidas para o hebraico, mas Israel continuou entrando todas as noites na Cisjordânia, e os israelenses não viram mal nenhum nisso. Afinal de contas, era só uma resposta.

Numa época em que havia muitas incursões israelenses em Gaza, perguntei o seguinte aos meus colegas: “Se um palestino armado cruza a fronteira, entra em Israel, dirige até Tel Aviv e atira em pessoas nas ruas, ele será o terrorista, e nós seremos as vítimas, certo? Porém, se as FDI cruzam a fronteira, dirigem vários quilômetros Gaza adentro e começam a disparar contra os atiradores palestinos, quem é o terrorista e quem é o que resiste? Como é possível que os palestinos que vivem nos territórios ocupados nunca possam recorrer à autodefesa, enquanto o Exército israelense é sempre o defensor?” Meu amigo Shay, da editoria de arte, esclareceu as coisas para mim: “Se você for à Faixa de Gaza e atirar nas pessoas, você será um terrorista. Mas quando o Exército faz isso, é uma operação para deixar Israel mais seguro. É a implementação de uma decisão do governo!”

Outra distinção interessante entre “nós” e “eles” apareceu quando o Hamas exigiu a libertação de 450 prisioneiros ligados ao grupo, em troca do soldado Gilad Shalit. Israel anunciou que libertaria prisioneiros, mas não aqueles com sangue nas mãos. São sempre os palestinos – nunca os israelenses – que têm sangue nas mãos. Isso não quer dizer que os judeus não possam matar os árabes, mas eles não terão sangue nas mãos, e se forem presos serão soltos depois de poucos anos. Sem falar naqueles que têm sangue nas mãos e chegaram a primeiro-ministro. Somos não só mais inocentes quando matamos, como também mais suscetíveis quando feridos. Em geral, a descrição de um míssil Qassam que atinja Sderot será mais ou menos assim: “Um Qassam caiu ao lado de uma residência, três israelenses tiveram ferimentos leves e dez outros sofreram um choque.” Não se deve minimizar tais males: um míssil atingindo uma casa no meio da noite de fato deve causar um grande choque. Deve-se lembrar, no entanto, que o choque só vale para os judeus. Os palestinos aparentemente são uma gente muito calejada.

As Forças de Defesa de Israel, num outro motivo de inveja para todos os outros Exércitos, matam só as pessoas mais importantes. “Um membro de alto escalão do Hamas foi morto” é quase um coro na mídia israelense. Membros de baixo escalão do Hamas nunca foram achados ou nunca foram mortos. Shlomi Eldar, correspondente de uma estação de televisão na Faixa de Gaza, escreveu bravamente sobre esse fenômeno no livro Eyeless in Gaza [Sem Olhos em Gaza], de 2005. Quando Riyad Abu Zaid foi assassinado, em 2003, a imprensa israelense fez eco ao anúncio das FDI de que o homem seria o chefe da ala militar do Hamas em Gaza. Eldar, um dos poucos jornalistas investigativos de Israel, descobriu que o homem era apenas um secretário do clube de prisioneiros do Hamas. “Foi uma das muitas ocasiões em que Israel ‘incrementou’ um ativista palestino”, escreveu Eldar. “Depois de todo assassinato, cada pequeno ativista é ‘promovido’ a grande.”

Esse fenômeno pelo qual as declarações das FDI imediatamente se traduzem em reportagens é resultado tanto da falta de acesso à informação quanto da má vontade de jornalistas em provar que o Exército está errado, ou em mostrar soldados como criminosos. “As FDI estão agindo em Gaza” (ou em Jenin, ou em Tulkarm, ou em Hebron) é a expressão oferecida pelo Exército e adotada pela mídia. Por que dificultar a vida dos ouvintes? Por que lhes contar o que os soldados fazem, descrevendo o medo que geram, o fato de que eles vêm com armas e veículos pesados e esmagam a vida urbana, aumentando o ódio, a dor e o desejo de vingança?

Em fevereiro, para tentar conter os militantes que disparavam foguetes Qassam, Israel decidiu interromper a eletricidade em Gaza durante algumas horas por dia. Embora isso significasse, por exemplo, que a energia deixaria de chegar a hospitais, foi dito que “o governo israelense decidiu aprovar essa medida como outra arma não-letal”. Outra coisa que os soldados fazem é limpar – khisuf. Em hebraico comum, khisuf significa expor algo oculto, mas no linguajar das FDI significa limpar uma área de esconderijos em potencial para atiradores palestinos. Durante a última intifada, escavadeiras israelenses D9 destruíram milhares de casas palestinas, arrancaram milhares de árvores e deixaram um rastro de milhares de estufas danificadas. É melhor saber que o Exército limpou a área do que enfrentar a realidade de que o Exército destrói as propriedades, o orgulho e a esperança dos palestinos.

Outra palavra útil é coroamento (keter, que também pode ser traduzida como “cerco”), eufemismo para um cerco no qual quem sair de casa se arrisca a ser baleado. Zonas de guerra são lugares onde os palestinos podem ser mortos, mesmo as crianças que não sabem que entraram numa zona de guerra. Crianças palestinas, aliás, tendem a ser promovidas a adolescentes palestinos, especialmente quando são acidentalmente mortas. Mais exemplos: postos avançados e isolados dos israelenses na Cisjordânia são chamados de postos ilegais, talvez em contraste com os assentamentos israelenses, que são aparentemente legais. Detenção administrativa significa prender pessoas que não foram levadas a julgamento e nem mesmo receberam acusação formal (em abril de 2003, havia 1 119 palestinos nessa situação). A OLP (Ashaf) é sempre citada por sua sigla, e nunca por seu nome completo, Organização para a Libertação da Palestina: Palestina é uma palavra que quase nunca é usada – há um presidente palestino, mas não um presidente da Palestina.

“Uma sociedade em crise forja um novo vocabulário para si”, escreveu David Grossman no livro The Yellow Wind [O Vento Amarelo], “e gradualmente uma nova linguagem emerge, cujas palavras não mais descrevem a realidade, mas tentam, em vez disso, escondê-la.” Essa “nova linguagem” foi adotada voluntariamente pela mídia, mas se alguém precisar de um conjunto oficial de diretrizes ele pode ser encontrado no Relatório Nakdi, um documento redigido pelo órgão público Autoridade de Radiodifusão Israelense. Divulgado inicialmente em 1972, e atualizado três vezes desde então, o relatório se destinava a “esclarecer algumas das regras profissionais que regulam o trabalho de uma pessoa da imprensa”. A proibição do termo Jerusalém Oriental era uma delas.

As restrições não se limitam à geografia. Em 20 de maio de 2006, a emissora mais popular da televisão israelense, o Canal 2, noticiou “outro assassinato dirigido em Gaza, um assassinato que pode atenuar os disparos dos Qassam” (376 pessoas já morreram em assassinatos dirigidos, sendo 150 delas civis que não eram alvos de assassinatos). Ehud Ya’ari, um conhecido correspondente israelense que cobre assuntos árabes, no estúdio, disse: “O homem que foi morto é Muhammad al Dahdouh, da Jihad Islâmica... Isso é parte da outra guerra, uma guerra para diminuir o número dos ativistas que disparam os Qassam.” Nem Ya’ari nem o porta-voz das FDI se preocuparam em noticiar que quatro civis palestinos inocentes também foram mortos na operação, e que três outros ficaram feridos, inclusive uma menina de 5 anos chamada Maria, que ficará paralítica do pescoço para baixo. Esse “descuido”, revelado pela jornalista israelense Orly Vilnai-Federbush, só mostra o quanto não sabemos sobre aquilo que julgamos saber.

Uma coisa interessante é que, desde que o Hamas tomou a Faixa de Gaza, um dos novos xingamentos na mídia israelense é Hamastão, palavra que aparece no noticiário “quente”, a parte supostamente sagrada dos jornais, que deveria apresentar os fatos sem editorializá-los. O mesmo vale para movimentos como Hamas ou Hezbollah, descritos em hebraico como organizações, e não como partidos ou movimentos políticos. Intifada nunca recebe o seu significado árabe de “revolta”; e Al-Quds, que quando usada por políticos é uma palavra que se refere apenas aos “lugares sagrados de Jerusalém Oriental”, ou a “Jerusalém Oriental”, é entendida pelos correspondentes israelenses como Jerusalém, o que efetivamente implica uma determinação palestina em tomar a capital inteira.

Foi curioso observar as reações dos jornais ao assassinato de Imad Moughniyeh, na Síria, em fevereiro. Eles competiram entre si quanto à maneira de designá-lo: arquiterrorista, mestre-terrorista, maior terrorista da Terra. A imprensa israelense levou alguns dias para deixar de louvar os assassinos de Moughniyeh e começar a fazer o que deveria ter feito inicialmente: perguntar quais as conseqüências da morte dele. O jornalista Gideon Levy acha que essa é uma tendência israelense: “A cadeia de ‘chefes terroristas’ liquidados por Israel, de Ali Hassan Salameh a Abu Jihad, passando por Abbas Musawi e Yihyeh Ayash até o xeque Ahmed Yassin e Abdel Aziz Rantisi (todas elas “operações” que celebramos com grande pompa e circunstância por um doce e inebriante momento), até agora apenas provocou ataques duros e dolorosos de vingança contra Israel e os judeus mundo afora.”

Repórteres israelenses especializados em assuntos árabes devem evidentemente falar árabe – muitos deles, de fato, estudaram o idioma nas escolas do aparato de segurança – e precisam conhecer a história e a política do Oriente Médio. E têm de ser judeus. Visivelmente, a mídia israelo-judaica prefere contratar jornalistas com um conhecimento mediano do idioma árabe a falantes nativos, pois estes seriam cidadãos palestinos de Israel. Aparentemente, jornalistas judeus são mais bem equipados que os árabes israelenses para explicar “o que os árabes pensam”, quais são “os objetivos árabes” e “o que os árabes dizem”. Talvez seja assim porque os editores sabem o que o seu público quer ouvir. Ou, mais importante, o que o público israelense prefere não ouvir.

Se as palavras ocupação, apartheid e racismo (sem falar em cidadãos palestinos de Israel, bantustões, limpeza étnica e Nakba [“catástrofe”, a palavra com a qual os palestinos se referem à criação de Israel, em 1948]) estão ausentes do discurso israelense, os cidadãos de Israel podem passar a vida inteira sem saber com o que estão convivendo. Por exemplo, racismo (Giz’anut, em hebraico). Se o Parlamento israelense legisla que 13% das terras do país só podem ser vendidas para judeus, então ele é um Parlamento racista. Se em sessenta anos o país só teve um ministro árabe, então Israel tem tido governos racistas. Se, em sessenta anos de manifestações, balas de borracha e munição de verdade só foram usadas contra manifestantes árabes, então Israel tem uma polícia racista. Se 75% dos israelenses admitem que se recusariam a ter um árabe como vizinho, então é uma sociedade racista. Ao não reconhecer que Israel é um lugar onde o racismo molda as relações entre judeus e árabes, os judeus israelenses se tornam incapazes de lidar com o problema, ou mesmo com a realidade das suas próprias vidas.

A mesma negação da realidade está refletida na recusa ao termo apartheid. Devido à sua associação com a África do Sul branca, os israelenses acham muito duro usar a palavra. Isso não quer dizer que exatamente o mesmo tipo de regime vigore hoje nos territórios ocupados, mas um país não precisa ter bancos de praça “apenas para brancos” para ser um Estado que pratica o apartheid. Afinal, apartheid significa “separação”, e, se nos territórios ocupados os colonos têm uma estrada, e os palestinos precisam usar estradas alternativas ou túneis, então é um sistema rodoviário de apartheid. Se o muro de separação construído sobre centenas de hectares de terra confiscada na Cisjordânia separa as pessoas (inclusive palestinos de ambos os lados do muro), então é um muro de apartheid. Se nos territórios ocupados há dois Judiciários, um para colonos judeus e outro para os palestinos, então é uma Justiça de apartheid.

Há também os próprios territórios ocupados. Notavelmente, não há territórios ocupados em Israel. O termo é ocasionalmente usado por algum colunista ou político de esquerda, mas no noticiário ele inexiste. No passado, foram chamados de territórios administrados, para esconder o fato real da ocupação. Foram então chamados de Judéia e Samaria. E, na grande imprensa israelense de hoje, são chamados de os territórios (Ha-Shtachim). O termo ajuda a preservar a noção de que os judeus são as vítimas, o povo que age apenas em autodefesa, a metade moral da equação, e que os palestinos são os agressores, os caras ruins, as pessoas que lutam por razão nenhuma. O exemplo mais simples explica isso: “Um cidadão dos territórios foi apanhado contrabandeando armas ilegais.” Poderia fazer sentido que os cidadãos de um território ocupado tentassem resistir ao ocupante, mas não faz sentido se eles forem apenas dos territórios.

Os jornalistas israelenses não estão incrustados no aparato estatal de segurança, e nunca ninguém lhes pediu que fizessem seu público se sentir bem a respeito da política militar de Israel. As restrições às quais eles se submetem são observadas voluntariamente, quase inconscientemente – o que torna sua prática ainda mais perigosa. Apesar disso, a maioria dos israelenses acha que sua mídia é esquerdista demais, insuficientemente patriota e que não está do lado de Israel. E que a imprensa estrangeira é pior. Durante a última intifada, Avraham Hirchson, então ministro de Finanças, exigiu que as transmissões da CNN a partir de Israel fossem interrompidas, sob a alegação de que eram “transmissões distorcidas e programas tendenciosos que são nada mais que uma campanha de incitação contra Israel”. Manifestantes israelenses pediram o fim da “cobertura indigna de confiança e provocadora do terror feita pela CNN”, reclamando em seu lugar a cobertura da Fox News. Israelenses com até 50 anos são obrigados a prestar um mês de serviço militar reservista por ano. “O civil”, disse certa vez Yigael Yadin, um dos primeiros chefes das FDI, “é um soldado com licença anual de 11 meses.” Para a mídia israelense, não existe licença

sábado, 26 de julho de 2008

O Paradoxo Andante

Uma tradução minha, direta do espanhol, de um dos mais recentes textos do Eduardo Galeano, em tempo.

O paradoxo Andante
Por Eduardo Galeano – 04 de janeiro de 2008

A Jornada

Todos os dias, lendo os jornais, assisto a uma lição de história.

Os jornais me ensinam pelo que dizem e pelo que se calam.

A história é um paradoxo andante. A contradição que lhe move as pernas. Talvez seja por isso que o seu silêncio diz mais que suas palavras e com freqüência suas palavras revelam, mentindo, a verdade.

Daqui a pouco será publicado um livro meu que é chamado “Espejos”. E algo como uma história universal, e perdoem-me pelo atrevimento. "Eu posso resistir a tudo, menos a tentação", disse Oscar Wilde, e confesso que tenho sucumbido à tentação de contar alguns episódios da aventura humana no mundo, do ponto de vista daqueles que não saíram na foto.

Para dizê-lo de alguma maneira, se trata de feitos não muito conhecidos:

Aqui resumo alguns, algunsinhos nada mais.

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Quando foram expulsos do Paraíso, Adão e Eva mudaram para África, e não Paris.

Algum tempo depois, quando os seus filhos lançaram-se aos caminhos do mundo, se inventou a escrita. No Iraque, não no Texas.

Também em álgebra foi inventada no Iraque. Fundada por Mohamed al-Jwarizmi, faz 200 mil anos, as palavras “algoritmo” e “algarismo” derivam de seu nome.

Os nomes muitas vezes não coincidem com os que nomeiam. No Museu Britânico, por exemplo, as esculturas do Parthenon são chamadas "Mármores de Elgin", mas são mármores de Fidias. Elgin era chamado o Inglês que as vendeu ao museu.

As três novidades que tornaram possível o Renascimento Europeu, a bússola, a pólvora e impressão foram inventadas pelos chineses, que também inventaram quase tudo o que a Europa reinventou.

Os índios tinham o conhecimento antes de qualquer outra pessoa que a Terra era redonda e os Maias tinham criado mais exato calendário de todos os tempos.

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Em 1493, o Vaticano deu a América para Espanha e presenteou a África negra a Portugal "para que as nações bárbaras sejam reduzidas à fé católica". Até então, a América possuía 15 vezes mais habitantes do que Espanha e a África negra 100 vezes mais do que Portugal.

Tal como o Papa havia ordenado, as nações bárbaras foram reduzidas. E muito.

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Tenochtitlán, o centro do império Asteca, era de água. Hernán Cortés demoliu a cidade, pedra por pedra, e com os escombros tapou os canais por onde navegavam 200 mil canoas. Esta foi a primeira guerra de água na América. Agora Tenochtitlán se chama Cidade do México. Por onde corria água, correm os carros.

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O monumento mais alto da Argentina foi erguido em homenagem ao General Roca, que no século XIX exterminou os índios da Patagônia.

A mais longa avenida do Uruguai leva o nome do General Rivera, que no século XIX exterminadas últimos índios Charrúas.

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John Locke, o filósofo da liberdade, foi um acionista da Royal Africa Company, que comprava e vendia escravos.

Embora nascido o século XVIII, o primeiro dos Borbões, Felipe V, estreou o seu trono firmando um contrato com o seu primo, o rei de França, para que a Compagnie de Guinée vende-se negros na América. Cada monarca levava uns 25 por cento das ganâncias.

Nomes de alguns navios negreiros: Voltaire, Rousseau, Jesus, Esperança, Igualdade, Amizade.

Dois dos pais Fundadores dos Estados Unidos se desvaneceram no nevoeiro da história oficial. Ninguém recorda de Robert Carter nem Gouverner Morris. A amnésia recompensou seus atos. Carter foi o único prócer da independência que libertou os seus escravos. Morris, redator da Constituição, opôs-se à cláusula que estabelecia que um escravo era equivalente a três quintos de uma pessoa.

O Nascimento de uma Nação, a primeira super produção de Hollywood, estreou em 1915, na Casa Branca. O Presidente Woodrow Wilson aplaudiu de pé. Ele foi o autor dos textos do filme, um hino de louvor racista a Ku Klux Klan.

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Algumas datas:

Desde do ano 1234, e durante os sete séculos seguintes, a Igreja Católica proibiu as mulheres de cantar nos templos. Eram impuras suas vozes, por aquele assunto de Eva e o pecado original.


No ano 1783, o rei da Espanha decretou que não eram desonrosos os trabalhos manuais, os chamados "ofícios viles", que até então implicavam a perda da nobreza.

Até o ano 1986 era legal o castigo de crianças nas escolas da Inglaterra, com cintos, paus e palmatórias..

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Em nome da liberdade, igualdade e fraternidade, a Revolução Francesa proclamou em 1793 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Então, a militante revolucionária Olympia de Gouges propôs a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadania. A guilhotina lhe cortou a cabeça.

Meio século mais tarde, outro governo revolucionário, durante a Primeira Comuna Paris, proclamou o sufrágio universal. Ao mesmo tempo, negou o direito de voto às mulheres, por unanimidade menos uma: 899 votos contra, um a favor.

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A imperatriz cristã Teodora nunca disse ser revolucionária, ou algo do tipo. Mas há 1500 anos o império Bizantino foi, graças a ela, o primeiro lugar no mundo onde o aborto e o divórcio eram os direitos da mulher.

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O General Ulysses Grant, vencedor na guerra do norte industrial contra o sul escravista, foi logo presidente dos Estados Unidos.

Em 1875, respondendo à pressão britânica respondeu:

-- Dentro de 200 anos, quando houvermos obtido do protecionismo tudo o que podemos oferecer, também nós adotaremos a liberdade de coméricio.

Assim, no ano 2075, a nação mais protecionista do mundo adotará a liberdade de comércio.


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Lootie, Botincito, foi o primeiro cão pequinês que chegou a Europa.

Ele viajou para Londres em 1860. Os ingleses o batizaram assim, porque era parte do espólio arrancado da China, ao longo das duas guerras do ópio.

Vitória, a rainha narcotraficante, havia imposto ópio a tiros. China foi convertido em uma nação de drogados, em nome da liberdade, a liberdade de comércio.

Em nome da liberdade de comércio livre, o Paraguai foi exterminada em 1870. Após cinco anos de guerra, este país, o único país das Américas que não devia um tostão sequer a ninguém, inaugurou a sua dívida externa. Nas suas ruínas humilhantes chegou de Londres, o primeiro empréstimo. Ele foi destinado a pagar uma enorme indenização ao Brasil, Argentina e Uruguai. O país assassinado pagou aos países assassinos, pelo trabalho que haviam tomado assassinando-o.

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Haiti também pagou uma grande indenização. Desde que em 1804 ganhou a sua independência, a nova nação arrasada teve de pagar uma fortuna a França, durante um século e meio, para expiar pelo pecado de sua liberdade.

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As grandes empresas têm direitos humanos nos Estados Unidos. Em 1886, o Supremoa Corte de Justiça extendeu os direitos humanos para empresas privadas, e assim segue sendo.

Poucos anos depois, na defesa dos direitos humanos das suas empresas, os Estados Unidos invadiram 10 países, em diversos mares do mundo.

Então Mark Twain, líder da Liga Antiimperialista, propôs uma nova bandeira, com caravelas ao invés de estrelas, e um outro escritor, Ambrose Bierce, constatou:

-- A guerra é o caminho que Deus escolheu para ensinar geografia.

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Os campos de concentração nasceram na África. Os ingleses iniciaram a experiência, e os alemães a desenvolveram. Depois Hermann Göring aplicou, na Alemanha, o modelo que o seu pai havia ensaiado, em 1904, na Namíbia. Os professores de Joseph Mengele haviam estudado, nos campos de concentração da Namíbia, a anatomia das raças inferiores. As cobaias eram todos negros.


***

Em 1936, o Comitê Olímpico Internacional não tolerava insolências. Nas Olimpíadas de 1936, organizada por Hitler, a seleção de futebol do Peru derrotou por 4 a 2 a seleção da Áustria, o país natal do Führer. O Comitê Olímpico anulou a partida.

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Para Hitler, não faltaram amigos. A Fundação Rockefeller financiou investigações raciais e racistas da medicina Nazi. A Coca-Cola inventou a Fanta, em plena guerra, para o mercado alemão. A IBM tornou possível a identificação e classificação dos judeus, e essa foi a primeira façanha em grande escala do sistema de cartões perfurados.


***

Em 1953 instaurou-se um protesto dos trabalhadores na Alemanha comunista.

Trabalhadores se lançaram às ruas e os tanques soviéticos se ocuparam de calar-lhes a boca. Bertolt Brecht, em seguida, sugeriu: Não seria mais fácil que o governo de dissolvesse o povo e elegesse outro?

***

Operações de Marketing. A opinião pública é o target. As Guerras se vendem mentindo, como se vendem os carros.

Em 1964, os Estados Unidos invadiram o Vietnam, porque o Vietnam havia atacado dois navios dos Estados Unidos no Golfo de Tonkin. Quando a guerra teve destripado uma multidão de vietnamitas, o ministro da Defesa, Robert McNamara, reconheceu que o ataque de Tonkin não tivesse existido.

Quarenta anos depois, a história se repetiu no Iraque.

***

Milhares de anos antes de a invasão americana levar civilização ao Iraque, nesta terra bárbara havia nascido o primeiro poema de amor na história universal. Em língua suméria, escrito no barro, o poema narra o encontro de uma deusa e um pastor. Inanna, a deusa, amou essa noite como se fosse mortal. Dumuzi, o pastor, foi imortal enquanto durou a noite.

***

Paradoxos andantes, estimulantes paradoxos:

O Aleijadinho, o homem mais feio do Brasil, criou as mais belas esculturas da era colonial americana.

O livro de viagens de Marco Pólo, aventura da liberdade, foi escrito na prisão em Gênova.

Don Quixote de La Mancha, uma outra aventura da liberdade, nasceu na prisão de Sevilha.

Eram netos de escravos os negros que geraram o jazz, a mais livre das musicas.


Um dos melhores guitarristas de jazz, o cigano Django Reinhardt, não tinham mais do que dois dedos em sua mão esquerda.

Não tinha mãos Grimod de la Reynière, o grande mestre da cozinha francesa. Com garfos escrevia, cozinhava e comia.

CineGeo


A idéia veio de uma reunião entre amigos:

“ VAMOS FAZER UM CINE PARA EXIBIR FILMES?”

“Pô, gostei, acho que rola!”

“Seria legal emprestar filmes também, a gente pode fazer exibições periodicamente e montar uma locadora, onde ninguém paga nada e leva o filme para casa!”

“ Beleza então, vamos levar isso para frente.”

Desde então, estamos arrumando filmes para o CineGeo. Abaixo estão alguns, não são todos, apenas uma parte.

1. Dogville

2. Tiros em Columbine

3. Sweeney Todd: O barbeiro demoníaco da rua Fleet

4. Quem somos nós?

5. V de Vingança

6. O senhor das armas

7. Tim Maia ( show )

8. Zé Ramalho Ao vivo

9. Rocky IV

10. Edukators

11. Surplus

12. Obrigado por fumar

13. A carne é fraca

14. Boa noite, boa sorte

15. Tropa de elite

16. Tapete vermelho

17. Diamante de sangue

18. Hitler, Alemanha nazista e gloria: O triunfo da vontade

19. 1,99: Um supermercado de idéias

20. O reino

21. O herói

22. R.E.C

23. Pode crer!

24. Uma verdade inconveniente

25. Os anos J.K.: Uma trajetória política

26. Trotsky

27. Noticias de uma guerra particular

28. Documentário Paulo Freire

29. Ato de fé

30. Clube da luta

31. Roma, Primeira Temporada

32. Munique

O Império do Consumo



A explosão do consumo no mundo atual faz mais barulho do que todas as guerras e mais algazarra do que todos os carnavais. Como diz um velho provérbio turco, aquele que bebe a conta, fica bêbado em dobro. A gandaia aturde e anuvia o olhar; esta grande bebedeira universal parece não ter limites no tempo nem no espaço.


Mas a cultura de consumo faz muito barulho, assim como o tambor, porque está vazia; e na hora da verdade, quando o estrondo cessa e acaba a festa, o bêbado acorda, sozinho, acompanhado pela sua sombra e pelos pratos quebrados que deve pagar. A expansão da demanda se choca com as fronteiras impostas pelo mesmo sistema que a gera. O sistema precisa de mercados cada vez mais abertos e mais amplos tanto quanto os pulmões precisam de ar e, ao mesmo tempo, requer que estejam no chão, como estão, os preços das matérias primas e da força de trabalho humana. O sistema fala em nome de todos, dirige a todos suas imperiosas ordens de consumo, entre todos espalha a febre compradora; mas não tem jeito: para quase todo o mundo esta aventura começa e termina na telinha da TV. A maioria, que contrai dívidas para ter coisas, termina tendo apenas dívidas para pagar suas dívidas que geram novas dívidas, e acaba consumindo fantasias que, às vezes, materializa cometendo delitos. O direito ao desperdício, privilégio de poucos, afirma ser a liberdade de todos.

Dize-me quanto consomes e te direi quanto vales. Esta civilização não deixa as flores dormirem, nem as galinhas, nem as pessoas. Nas estufas, as flores estão expostas à luz contínua, para fazer com que cresçam mais rapidamente. Nas fábricas de ovos, a noite também está proibida para as galinhas. E as pessoas estão condenadas à insônia, pela ansiedade de comprar e pela angústia de pagar. Este modo de vida não é muito bom para as pessoas, mas é muito bom para a indústria farmacêutica. Os EUA consomem metade dos calmantes, ansiolíticos e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial.

"Gente infeliz, essa que vive se comparando", lamenta uma mulher no bairro de Buceo, em Montevidéu. A dor de já não ser, que outrora cantava o tango, deu lugar à vergonha de não ter. Um homem pobre é um pobre homem. "Quando não tens nada, pensas que não vales nada", diz um rapaz no bairro Villa Fiorito, em Buenos Aires. E outro confirma, na cidade dominicana de San Francisco de Macorís: "Meus irmãos trabalham para as marcas. Vivem comprando etiquetas, e vivem suando feito loucos para pagar as prestações".

Invisível violência do mercado: a diversidade é inimiga da rentabilidade, e a uniformidade é que manda. A produção em série, em escala gigantesca, impõe em todas partes suas pautas obrigatórias de consumo. Esta ditadura da uniformização obrigatória é mais devastadora do que qualquer ditadura do partido único: impõe, no mundo inteiro, um modo de vida que reproduz seres humanos como fotocópias do consumidor exemplar.

O consumidor exemplar é o homem quieto. Esta civilização, que confunde quantidade com qualidade, confunde gordura com boa alimentação. Segundo a revista científica The Lancet, na última década a "obesidade mórbida" aumentou quase 30% entre a população jovem dos países mais desenvolvidos. Entre as crianças norte-americanas, a obesidade aumentou 40% nos últimos dezesseis anos, segundo pesquisa recente do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Colorado. O país que inventou as comidas e bebidas light, os diet food e os alimentos fat free, tem a maior quantidade de gordos do mundo. O consumidor exemplar desce do carro só para trabalhar e para assistir televisão. Sentado na frente da telinha, passa quatro horas por dia devorando comida plástica.

Vence o lixo fantasiado de comida: essa indústria está conquistando os paladares do mundo e está demolindo as tradições da cozinha local. Os costumes do bom comer, que vêm de longe, contam, em alguns países, milhares de anos de refinamento e diversidade e constituem um patrimônio coletivo que, de algum modo, está nos fogões de todos e não apenas na mesa dos ricos. Essas tradições, esses sinais de identidade cultural, essas festas da vida, estão sendo esmagadas, de modo fulminante, pela imposição do saber químico e único: a globalização do hambúrguer, a ditadura do fast food. A plastificação da comida em escala mundial, obra do McDonald´s, do Burger King e de outras fábricas, viola com sucesso o direito à autodeterminação da cozinha: direito sagrado, porque na boca a alma tem uma das suas portas.

A Copa do Mundo de futebol de 1998 confirmou para nós, entre outras coisas, que o cartão MasterCard tonifica os músculos, que a Coca-Cola proporciona eterna juventude e que o cardápio do McDonald´s não pode faltar na barriga de um bom atleta. O imenso exército do McDonald´s dispara hambúrgueres nas bocas das crianças e dos adultos no planeta inteiro. O duplo arco dessa M serviu como estandarte, durante a recente conquista dos países do Leste Europeu.

As filas na frente do McDonald´s de Moscou, inaugurado em 1990 com bandas e fanfarras, simbolizaram a vitória do Ocidente com tanta eloqüência quanto a queda do Muro de Berlim. Um sinal dos tempos: essa empresa, que encarna as virtudes do mundo livre, nega aos seus empregados a liberdade de filiar-se a qualquer sindicato. O McDonald´s viola, assim, um direito legalmente consagrado nos muitos países onde opera. Em 1997, alguns trabalhadores, membros disso que a empresa chama de Macfamília, tentaram sindicalizar-se em um restaurante de Montreal, no Canadá: o restaurante fechou. Mas, em 98, outros empregados do McDonald´s, em uma pequena cidade próxima a Vancouver, conseguiram essa conquista, digna do Guinness.

As massas consumidoras recebem ordens em um idioma universal: a publicidade conseguiu aquilo que o esperanto quis e não pôde.

Qualquer um entende, em qualquer lugar, as mensagens que a televisão transmite. No último quarto de século, os gastos em propaganda dobraram no mundo todo. Graças a isso, as crianças pobres bebem cada vez mais Coca-Cola e cada vez menos leite e o tempo de lazer vai se tornando tempo de consumo obrigatório. Tempo livre, tempo prisioneiro: as casas muito pobres não têm cama, mas têm televisão, e a televisão está com a palavra. Comprado em prestações, esse animalzinho é uma prova da vocação democrática do progresso: não escuta ninguém, mas fala para todos.

Pobres e ricos conhecem, assim, as qualidades dos automóveis do último modelo, e pobres e ricos ficam sabendo das vantajosas taxas de juros que tal ou qual banco oferece. Os especialistas sabem transformar as mercadorias em mágicos conjuntos contra a solidão. As coisas possuem atributos humanos: acariciam, fazem companhia, compreendem, ajudam, o perfume te beija e o carro é o amigo que nunca falha. A cultura do consumo fez da solidão o mais lucrativo dos mercados.

Os buracos no peito são preenchidos enchendo-os de coisas, ou sonhando com fazer isso. E as coisas não só podem abraçar: elas também podem ser símbolos de ascensão social, salvo-condutos para atravessar as alfândegas da sociedade de classes, chaves que abrem as portas proibidas. Quanto mais exclusivas, melhor: as coisas escolhem você e salvam você do anonimato das multidões. A publicidade não informa sobre o produto que vende, ou faz isso muito raramente. Isso é o que menos importa. Sua função primordial consiste em compensar frustrações e alimentar fantasias. Comprando este creme de barbear, você quer se transformar em quem?

O criminologista Anthony Platt observou que os delitos das ruas não são fruto somente da extrema pobreza. Também são fruto da ética individualista. A obsessão social pelo sucesso, diz Platt, incide decisivamente sobre a apropriação ilegal das coisas. Eu sempre ouvi dizer que o dinheiro não trás felicidade; mas qualquer pobre que assista televisão tem motivos de sobra para acreditar que o dinheiro trás algo tão parecido que a diferença é assunto para especialistas.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, o século XX marcou o fim de sete mil anos de vida humana centrada na agricultura, desde que apareceram os primeiros cultivos, no final do paleolítico. A população mundial torna-se urbana, os camponeses tornam-se cidadãos. Na América Latina temos campos sem ninguém e enormes formigueiros urbanos: as maiores cidades do mundo, e as mais injustas. Expulsos pela agricultura moderna de exportação e pela erosão das suas terras, os camponeses invadem os subúrbios. Eles acreditam que Deus está em todas partes, mas por experiência própria sabem que atende nos grandes centros urbanos.

As cidades prometem trabalho, prosperidade, um futuro para os filhos. Nos campos, os esperadores olham a vida passar, e morrem bocejando; nas cidades, a vida acontece e chama. Amontoados em cortiços, a primeira coisa que os recém chegados descobrem é que o trabalho falta e os braços sobram, que nada é de graça e que os artigos de luxo mais caros são o ar e o silêncio.

Enquanto o século XIV nascia, o padre Giordano da Rivalto pronunciou, em Florença, um elogio das cidades. Disse que as cidades cresciam "porque as pessoas sentem gosto em juntar-se". Juntar-se, encontrar-se. Mas, quem encontra com quem? A esperança encontra-se com a realidade? O desejo, encontra-se com o mundo? E as pessoas, encontram-se com as pessoas?Se as relações humanas foram reduzidas a relações entre coisas, quanta gente encontra-se com as coisas?

O mundo inteiro tende a transformar-se em uma grande tela de televisão, na qual as coisas se olham mas não se tocam. As mercadorias em oferta invadem e privatizam os espaços públicos.

Os terminais de ônibus e as estações de trens, que até pouco tempo atrás eram espaços de encontro entre pessoas, estão se transformando, agora, em espaços de exibição comercial. O shopping center, o centro comercial, vitrine de todas as vitrines, impõe sua presença esmagadora. As multidões concorrem, em peregrinação, a esse templo maior das missas do consumo. A maioria dos devotos contempla, em êxtase, as coisas que seus bolsos não podem pagar, enquanto a minoria compradora é submetida ao bombardeio da oferta incessante e extenuante. A multidão, que sobe e desce pelas escadas mecânicas, viaja pelo mundo: os manequins vestem como em Milão ou Paris e as máquinas soam como em Chicago; e para ver e ouvir não é preciso pagar passagem. Os turistas vindos das cidades do interior, ou das cidades que ainda não mereceram estas benesses da felicidade moderna, posam para a foto, aos pés das marcas internacionais mais famosas, tal e como antes posavam aos pés da estátua do prócer na praça.

Beatriz Solano observou que os habitantes dos bairros suburbanos vão ao center, ao shopping center, como antes iam até o centro. O tradicional passeio do fim-de-semana até o centro da cidade tende a ser substituído pela excursão até esses centros urbanos. De banho tomado, arrumados e penteados, vestidos com suas melhores galas, os visitantes vêm para uma festa à qual não foram convidados, mas podem olhar tudo. Famílias inteiras empreendem a viagem na cápsula espacial que percorre o universo do consumo, onde a estética do mercado desenhou uma paisagem alucinante de modelos, marcas e etiquetas.

A cultura do consumo, cultura do efêmero, condena tudo à descartabilidade midiática. Tudo muda no ritmo vertiginoso da moda, colocada à serviço da necessidade de vender. As coisas envelhecem num piscar de olhos, para serem substituídas por outras coisas de vida fugaz. Hoje, quando o único que permanece é a insegurança, as mercadorias, fabricadas para não durar, são tão voláteis quanto o capital que as financia e o trabalho que as gera. O dinheiro voa na velocidade da luz: ontem estava lá, hoje está aqui, amanhã quem sabe onde, e todo trabalhador é um desempregado em potencial.

Paradoxalmente, os shoppings centers, reinos da fugacidade, oferecem a mais bem-sucedida ilusão de segurança. Eles resistem fora do tempo, sem idade e sem raiz, sem noite e sem dia e sem memória, e existem fora do espaço, além das turbulências da perigosa realidade do mundo.

Os donos do mundo usam o mundo como se fosse descartável: uma mercadoria de vida efêmera, que se esgota assim como se esgotam, pouco depois de nascer, as imagens disparadas pela metralhadora da televisão e as modas e os ídolos que a publicidade lança, sem pausa, no mercado. Mas, para qual outro mundo vamos nos mudar? Estamos todos obrigados a acreditar na historinha de que Deus vendeu o planeta para umas poucas empresas porque, estando de mau humor, decidiu privatizar o universo? A sociedade de consumo é uma armadilha para pegar bobos.

Aqueles que comandam o jogo fazem de conta que não sabem disso, mas qualquer um que tenha olhos na cara pode ver que a grande maioria das pessoas consome pouco, pouquinho e nada, necessariamente, para garantir a existência da pouca natureza que nos resta. A injustiça social não é um erro por corrigir, nem um defeito por superar: é uma necessidade essencial. Não existe natureza capaz de alimentar um shopping center do tamanho do planeta.



Por Eduardo Galeano, escritor e jornalista uruguaio, autor de As veias abertas da América Latina e Memórias do Fogo.


sexta-feira, 25 de julho de 2008

O Manifesto Eco-socialismo, o último estágio do anticapitalismo.

" A destruição ecológica não é uma característica acidental do capitalismo: está embutida no DNA do sistema"

OBJETIVO: UMA NOVA SOCIEDADE

Na parte propositiva, diz o projeto de manifesto que somente "unia mudança profunda na própria natureza da civilização pode salvar a humanidade das conseqüências catastróficas da mudança climática", E o movimento eco-socialista pretende "deter e reverter esse processo desastroso";
"Lutaremos para impor todo limite possível ao ecocídio capitalista, e para criar um movimento que possa substituir o capitalismo por uma sociedade em que a propriedade comum dos meios de produção substitua a propriedade capitalista e em que a preservação e a restauração dos ecossistemas sejam uma parte fundamental de toda atividade humana."
O eco-socialismo afirma que combina "uma critica tanto da 'ecologia pelo mercado', que não desafia o capitalismo, como do 'socialismo produtivista', que ignora os limites naturais da Terra". Seu objetivo é "uma nova sociedade, baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor-de-uso sobre o valor-de-troca".
O texto propõe substituir combustíveis fôsseis, como petróleo e carvão, responsáveis pelo efeito-estufa, por energia limpa de origem eólica e solar; reduzir drasticamente o transporte por carros e caminhões; e introduzir o transporte público gratuito e eficiente, mudar os atuais padrões de consumo, baseados no desperdício, obsolescência planejada e competição por ostentação. Outros objetivos: eliminar a energia nuclear, a indústria de armamentos e a publicidade comercial.

O Segundo Manifesto Eco-socialista pode ser lido em

http://www.ecosocialistnetwork.org/Docs/Mfsto2/2o-Manifesto-Ecossocialista-DRAFT-port.pdf


Algumas instituições que discutem o manifesto:

• BlueGreenEarth.com
• EuropeanSocialEcologyInstitute.org
• SmallWorldMedia.ie
• SocialEcologyInstitute.blogspot.com
• My8pace.com/socialecologyinstituteEU
• Anamnesis.net/Incineration. ft


Fonte: Revista Caros Amigos, repórter: Renato Pompeu

Idéias do Blog

Faz um tempo que os estudantes de Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora procuram um lugar para expor, discutir e aprender novos conceitos e idéias da área. O momento chegou, esse Blog tem como objetivo unir pensamentos, incentivar o debate e a exposição livre de idéias nos mais variados campos de pensamentos.

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